Deitado em sua esteira, o Imortal se abandona a um devaneio. Nessa manhã quente de novembro, lá ele acende uma fogueira e dá tragadas profundas em seu cachimbo. “À medida que o mundo entra em colapso, os sonhos são como pára-quedas coloridos…” o filósofo Ailton Krenak, 71 anos, olhando para o teto de sua cabana de palmeira. Depois de um silêncio, ele começa a cantarolar em voz baixa, com maracás na mão. Quem acreditaria que esse mesmo homem, que usa o peito nu e uma bandana na testa, vestiu em abril o hábito verde bordado a ouro da Academia Brasileira de Letras? Ele é o primeiro nativo a fazer parte desta ilustre instituição.
Depois de uma vida inteira dedicada à defesa dos direitos indígenas ao lado do cacique kayapó Raoni Metuktire ou do xamã Yanomami Davi Kopenawa, esta lenda viva da luta pelos povos indígenas tornou-se um autor de grande sucesso. Seus três livros mais famosos (Ideias para atrasar o fim do mundo, A vida não é útil E Futuro ancestral), publicados entre 2019 e 2022 pela editora Companhia das Letras, foram traduzidos para cerca de quinze idiomas – incluindo o francês, pela Dehors. Só no Brasil, essas obras venderam um total de mais de 500 mil exemplares. Um sucesso de livraria sem precedentes no país.
O acadêmico, que como quase todos os brasileiros leva o nome de seu povo, está a mil quilômetros de qualquer formalismo. Ele recebe seus convidados calorosamente em seu kiêm, uma casa cerimonial, que ele mesmo construiu em sua pequena aldeia em Minas Gerais, no sudeste do Brasil, muito perto da cidade de Resplendor. A 150 quilômetros da costa corre o Rio Doce, “rio manso”, em português, ou watu (“rio”), na língua macro-jê dos Krenak. Ao redor, as montanhas cor de jade abrigam uma lânguida mata atlântica, “floresta tropical”, que outrora se estendia por todo o litoral brasileiro. Devastado pelos colonos, só sobrevive em bolsões pequenos e esparsos.
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